sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Redação Vencedora na Categoria Cidadão

Encerramos com esta redação a publicação aqui no blog dos textos integrais das redações que venceram o 1º Concurso de Redação Compare e Floresta de apoio à Cultura 2012.
Aqui segue a redação de  de D. Adália Valgueiro Barros vencedora na Categoria Cidadão (prêmio: 1 laptop)
Parabéns, D Adália - que, com seus mais de 70 anos, nos mostra o que é a juventude. Parabéns!
- Não fizemos correções e colocamos o texto na íntegra para não alterar a marca autoral.





DA MEMÓRIA DE UMA FLORESTANA
Adália Valgueiro Barros

1.     Os Revoltosos em Fazenda dos Meus Antepassados – Coluna Prestes
Corria calmamente o ano de 1926,quando o nosso sertão foi surpreendido com a preocupante notícia de que, vários gaúchos, chefiados por Luiz Carlos Prestes, haviam chegado a essa região de Pernambuco.
Eram homens fortes que usando lenços vermelhos no pescoço e portando muitas armas, percorriam grandes distancias, utilizando os cavalos como meio de transporte. E que, por onde passavam, deixavam rastros marcantes de destruição. Naquela época, os meios de comunicação eram precários, principalmente na zona rural. No entanto, quando alguém sabia de sua aproximação, sempre que possível, tratava de comunicar aos vizinhos. Esses, por sua vez, reconhecendo a impossibilidade de enfrentá-los, por contarem sempre com um número menor de pessoas e armas, achavam por bem juntar mulher, filhos, idosos etc., abandonar a casa e sair com os familiares em busca de abrigo nas caatingas, onde pudessem sentir-se em segurança.
Ali permaneciam, enfrentando sol, chuvas e sérias necessidades, pois, na correria, muitas vezes a pés, não conseguiam levar roupas e comidas suficientes para uma estadia mais humana. Ninguém podia falar alto, difícil era manter as crianças em silêncio para não serem ouvidos pelos invasores. Diariamente enviavam emissários que, com muito cuidado iam até perto da casa observar se estava desocupada. E, quando isso acontecia, a boa noticia chegava até o acampamento e todos retornavam para casa. Ao chegarem, encontravam quase tudo destruído: louças e objeto quebrados e até incendiados, ossos de animais pelos terreiros da casa. Eles matavam bois, bodes e carneiros que apareciam para retirar somente a carne que era transformada em churrasco, prato preferido dos gaúchos.
Na Fazenda Campo Alegre de minha bisavó – Amélia Epunina Barros (antes pertencente ao seu genitor Manoel Lopes dos Santos Barros – Seu Né do Campo Alegre), não foi diferente. Certa manhã, estando ainda todo o pessoal em casa, veio à desagradável surpresa! Ouviu-se o tropel de cavalos e em seguida, surgiu o grupo, logo identificado como sendo os revoltosos, pois eram exatamente como os descreviam. Então, os homens jovens vendo que não poderiam enfrentá-los, os agressores contavam com um número muito maior de pessoas e que se aproximavam cada vez mais, temendo um duelo de onde, com certeza, sairiam derrotados e vitimados, deixaram mulheres, crianças e idosos e indo refugiar-se na caatinga. Naquele momento, João Lopes Diniz (Tio Jota), muito velho, doente e enfraquecido, tentou acompanhar os mais novos e saiu de casa, andando lentamente em direção a roça. Ao passar pela porteira do curral, foi alvejado, tombando sem vida, naquele mesmo local. Os revoltosos entraram na casa e, ao encontrarem apenas com mulheres e crianças, lançaram a seguinte pergunta:
- Qual de vocês é parente, mais próxima, daquele senhor que agoniza ali fora?
Todas ficaram apavorados, imaginando que seriam exterminadas, tendo em vista a crueldade que demonstravam claramente, em seus semblantes, aqueles visitantes indesejáveis, responderam humildemente:
Somos todas da mesma família, no entanto, esta jovem, Mª Linda de Barros (Sinhara) é sua filha!
Voltando o olhar para Sinhara, disse o carrasco:
Venha! Nos acompanhe até onde está o corpo do seu pai, lá, iremos tocar para que você dance ao seu redor!
A jovem apavorada obedeceu e, não sabendo dançar nem estando em condições psicológicas para tanto, desmanchou-se em lagrimas, fazendo com que desistissem daquela má idéia.
Em seguida, prenderam todo o pessoal da casa em um quarto, sepultaram o corpo de tio Jota no local onde estava caído e deram continuidade a outras atrocidades. Uma senhora idosa que cuidava dos afazeres domésticos, temendo pela integridade das jovens, ajoelhou-se aos pés do Tenente, suplicando-lhe que aconselhasse aos seus comandados, o respeito total a todas as mulheres presentes. Aquele oficial concordou, exigindo que permanecessem trancadas onde ele havia determinado, saindo todas de uma só vez, por alguns minutos para tomar banho e outros atos necessários, contanto que solicitassem a sua autorização.
Percorreram toda a fazenda e, na casa em que residia um dos trabalhadores locais, incendiaram um paiol, contendo espigas de milho seco. Esta casa foi reformada, mas, até hoje, ainda podemos ver as linhas e caibros com marcas do fogo (chamuscados).
Passados alguns dias, decidiram retirar-se, deixando a fazenda Campo Alegre, em direção a vizinha fazenda Tabuleiro Comprido de Cantidiano Valgueiro dos Santos Barros (hoje pertencente  à Adália Valgueiro Barros e irmãos), distante 30km da cidade de Floresta.
Durante essa viagem, um dos componentes do grupo, identificado apenas por Capitão Preto, foi atingido, no pescoço, por uma bala que o deixou gravemente ferido, sendo necessário ser levado pelos seus companheiros até o final da viagem (fazenda Tabuleiro Comprido).
Lá chegando, encontraram a casa vazia e colocaram o ferido no quarto do alpendre, onde o mesmo agonizou por quase 03 (três) dias. Perdendo sangue e sem nenhuma assistência medica, faleceu, sendo sepultado pelos seus colegas, a sombra de uma quixabeira, em frente a casa, onde ainda permanece, numa simples sepultura, construída por meu pai, Natanael Valgueiro Barros, sobrinho e genro do antigo proprietário daquele fazenda.
Após o sepultamento do companheiro, viajaram, não sabemos precisamente para onde.
Quase 30(trinta) anos depois, meus irmãos e eu, ainda meninos (durante as férias escolares), costumávamos ir ao referido quarto, olhar as manchas de sangue, deixadas pelo revoltoso ferido que, devido ao sofrimento, passava as mãos de cima para baixa nas paredes, onde distinguíamos claramente o rastro de seus dados. Com as nossas mãos, cobríamos aquelas marcas e para evitar isso, pai mandou pintar todo o quarto.
Mas, voltando às atrocidades dos revoltosos naquelas terras, lembramos que, após percorrerem vários lugares, novamente chegaram a fazenda Campo Alegre, acompanhados de dois rapazes vizinhos que eram levados presos para ensinar-lhes os caminhos de outras fazendas. Lá prenderam Antonio Lopes de Barros, idoso e portador de deficiência mental. Levaram-no a frente dos seus cavalos, e com a boca dos seus rifles, empurravam o velho para que andasse mais rápido. Vez por outra, ele caia e com bastante crueldade, faziam-no levantar para continuar a viagem. Numa dessas quedas, tio Toinho (como era conhecido), bastante ferido e sem forças, não conseguiu levantar-se. Eles, porém, o abandonaram sobre um formigueiro, continuando a viagem com os guias (os dois rapazes presos). No caminho, encontraram uma grande roça de milho. Tiveram a idéia de passar correndo nos cavalos, por dentro daquela plantação e, foi aí que os dois presos conseguiram fugir, deixando o bando muito furioso, atirando para todas as direções, até constataram haver perdido os jovens. Estes, após sentirem-se livres e sendo conhecedores daqueles caminhos, combinaram voltar até onde havia ficado o idoso e, disseram:
- Vamos olhar seu Toinho para levá-lo vivo ou morto até os seus familiares!
Realmente o encontraram, tremendo de febre, devido aos ferimentos, sem a menor condição de levantar-se para andar, o colocaram nas costas e seguiram até a casa de uma de suas irmãs (ele era solteiro). Ela prestou-lhe toda a assistência necessária para a sua recuperação, deitou-o sobre palhas de bananeiras (por serem frias), tratou delicadamente as suas feridas. Ele sequer suportava usar as suas vestes. E, apesar dos cuidados de sua irmã, ele não conseguiu recuperar-se, vindo a falecer.
Também, na Fazenda Juá, meu avô paterno (Odilon Valgueiro) foi avisado que tivesse cuidado, pois, os revoltosos já estavam bem próximos. Ele, imediatamente, reuniu a mulher e os dez filhos (o mais novo com apenas um ano de idade), dirigindo-se ao pé da Serra do São Gonçalo, onde montou acampamento. No momento, uma de suas filhas, casada e gestante, aguardava a chegada do primeiro filho. Enfrentando muito sofrimento, no meio do mato, levando sol e chuva nasceu o seu primeiro neto que não sobreviveu.
Enquanto isso, a casa da família, permanecia ocupada pelos invasores que ali, causavam grandes prejuízos, como de costume. Finalmente, desocuparam a fazenda e meu avô pode retornar, com toda a sua família para trabalhar e recuperar os prejuízos sofridos.
E assim, por onde passavam, repetiam todas as barbaridades de que eram capazes, fazendo o sertanejo do nordeste do Brasil, sofrer demasiadamente, sem saber os reais motivos de tamanha crueldade.
2.     LAMPIÃO: Tentativa de extorsão ao meu avô materno
Tudo começou com uma carta enviada por Lampião para o meu avô materno, Cantidiano Valgueiro dos Santos Barros que residia em sua fazenda Barra da Forquilha, distante 27 km da sede do município de Floresta.
Nos primeiros meses do ano de 1938, estando meu avô, envolvido com seus afazeres diários, chegou a sua residência, um emissário, trazendo uma carta, a ele destinada, tendo como remetente o cangaceiro Lampião. Eis a carta e a sua tradução:
 “Ilmo. Sr. Cantidiano Valgueiro,
Eu faço esta para você mandar-me dois conto de reis, isto sem falta, não tem menos, para você saber se assinar em telegrama contra mim como você se assinou em um com Gome Jurubeba, Eu vi, e ainda hoje tenho elle sem mais.
Resposte logo para evitar mais prejuízo seu mês assunto Capitão Virgulino Ferreira - Lampião.”

Ao ler o conteúdo dessa missiva, viu tratar-se da exigência, sob ameaça, de um certo valor em dinheiro. E, voltando-se para o portador da mesma que o aguardava, na sala de visitas, falou:
- Volte e diga aquele bandido que não enviarei dinheiro algum para ele, pois não sou o seu pai e, ele resolva lá como quiser, aqui ficarei, a espera da sua decisão.
Por esse motivo, meu avô tomou algumas precauções e continuou na sua fazenda, aguardando o que certamente poderia acontecer.
Passados alguns dias, precisamente às 5h30min, do dia 25 de abril de 1938, estava meu avô no curral, acompanhado de um dos seus compadres e mais dois amigos, ordenhando as vacas quando, de repente, um menino que estava sobre a porteira, disse:
- Eita! Lá vem muitos soldados!
Os trajes dos cangaceiros eram semelhantes aos dos soldados da volante.
Ao ouvir essas palavras, meu avô olhou para o terreiro e conheceu que não se tratavam de soldados e sim, de bandidos e que já se posicionavam, na intenção de cercar toda a casa. Então, gritou para os companheiros:
- São os cangaceiros, vamos entrar rapidamente em casa, onde pegaremos as armas para lutarmos, a fim de proteger as mulheres, as crianças e a nós mesmos!
Quando meu avô foi passando pela porta, quase foi alvejado, o tiro, a ele dirigido, atingiu a portada, quebrando-a.
Mas, conseguiram entrar todos para o interior da casa onde, com bastante cuidado, enfrentaram o tiroteio, iniciado nesse momento. Vovô e os três companheiros (num total de quatro homens) corriam por toda a casa, atirando sempre por locais diferentes para dar a entender que haviam várias pessoas armadas, dentro da casa. Os bandidos, em números de dezesseis, inclusive uma mulher, eram chefiados pelo cangaceiro Moreno, escolhido por Lampião para esse ataque. Não sabemos por que o mesmo, não compareceu e, enviou um de seus “cabras”, de confiança para comandar o grupo. O tiroteio acirrado, durou alguns minutos, os agressores, aos gritos, pronunciavam palavrões!
Dentro de casa, as mulheres, ajoelhadas aos pés do oratório, com muita fé e os seus rosários nas mãos, chorando, faziam preces a Deus, a Nossa Senhora e a todos os santos, com suplicas de socorro urgente!
As vacas, no curral, assustadas, urravam e corriam de um lado para o outro, os seus chocalhos não paravam de tocar. Foram momentos de muita agonia, não chegava polícia nem ninguém para defendê-los. Até que os próprios cangaceiros resolveram retirar-se do local, correndo e sempre atirando, logo se distanciaram pela caatinga. Quando tudo silenciou, vovô abrindo uma das janelas, quase não distinguiu a paisagem ao redor pois, uma nuvem de fumaça cobria todo o terreiro da casa.
Com a certeza de que os invasores haviam se afastados da fazenda, todos puderam respirar aliviados, até avistarem a aproximação de vários homens, com trajes semelhantes aos da turma anterior, o que fez com que uma das pessoas que estavam em casa, pensar que os bandidos estavam de volta. Vovô saiu para ver e conheceu tratar-se da Força Volante, chefiada por seu compadre Euclides Flor. Este, ao chegar, afirma estar ciente de tudo, pois no momento do tiroteio, encontrava-se com os seus soldados, numa fazenda vizinha, distante uns 10 km, dirigindo-se imediatamente para o local. Mas, como estava tudo encerrado, ele perguntou para onde haviam corrido e com os seus soldados, seguiram a mesma direção, tentando alcançá-los.
Lampião não mais se comunicou com o meu avô e partiu, acompanhado do seu bando para Sergipe, onde foi assassinado alguns meses depois.
Meu avô continuou na sua fazenda com a família, até falecer, vitima de um infarto fulminante em 1959.

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